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BUDDY GUY, 80 ANOS HOJE

DEZ PERGUNTAS PARA
O NEO-OITENTINHA BUDDY GUY


Pergunta: Carlos Santana disse certa vez que se você tivesse experimentado LSD em meados dos Anos 60, você teria sido Jimi Hendrix antes dele próprio. O que você pensa disso?

Buddy Guy: Bobagem, eu nunca precisei de nada além de bom senso e perseverança para chegar onde eu queria como artista. Sabe de uma coisa, eu agradeço muito por ter sido criado numa fazenda. Meus pais eram muito duros comigo, e me ensinaram a ser muito consciente em relação ao que eu pretendia fazer. Por conta disso, nunca fui inconsequente em minhas atitudes. Quando estava aprendendo a nadar no rio, eles me diziam: "Cuidado filho, não vá além de onde seus pés podem alcançar, pois você pode se afogar". Eu vi um monte de gente se afogar bestamente naquele rio, por agirem de forma indulgente. Eu não consigo ser assim. Sou disciplinado. E é justamente essa disciplina que sempre me ajudou a chegar onde queria chegar. 

Pergunta: Então você nunca foi autoindulgente?

Buddy Guy: Nunca. Meu pai me deu um porre numa noite de Natal, e eu ainda era adolescente. Me senti tão mal durante e depois que nunca mais quis beber além da medida, para não me sentir daquela maneira novamente. Janis Joplin costumava dizer que eu jamais seria uma superestrela porque eu nunca quis "embarcar naquele trem". Ela estava certa. Eu nunca quis ser um superstar, e menos ainda "embarcar naquele trem". Bebo se muito duas cervejas, e já paro por aí, pois gosto de tocar guitarra limpo, zerado. 


Pergunta: Quando você militou na cena musical de Chicago nos Anos 60, era uma prioridade para você como artista que sua carreira musical se expandisse para além dos limites da cidade?

Buddy Guy: O que se dizia na época é que se você nunca tocou em Nova York, você não existia como artista. Então, em 1967, eu fui convidado para tocar no Newport Jazz Festival, junto com Junior Wells, B B King e Count Basie. Eles promoviam workshops no início da tarde, os músicos chegavam lá e tocavam e conversavam com os participantes. Mais tarde, na hora em que Junior e eu chegamos para nossa apresentação, os organizadores do Festival não sabia quem éramos , mas havia centenas de pessoas na platéia que sabiam, e nos receberam muito calorosamente. O organizador do Festival, que nos contratou num pacote de artistas, estava atônito e perguntava a todos "Quem diabos são esses dois?" Pois fizemos um show brilhante naquela noite. Foi nossa estreia triunfal em Nova York.

Pergunta: Um ano mais tarde, Junior e você estavam tocando em Nova York novamente no dia em que Martin Luther King foi assassinado. Como foi essa apresentação?

Buddy Guy: Estávamos num lugar chamado Generations. Nós tocamos e choramos muito naquela noite [Abril 4, 1968]. B.B. King e Jimi Hendrix estavam na platéia. Janis Joplin também estava. A Prefeitura de Nova York achou por bem fechar todos os lugares que vendiam alcool, com medo de rebeliões ou de confrontos raciais. O pessoal do Generations decidiu abrir a casa e não vender bebidas alcoóilicas. Vários outros músicos apareceram por lá naquela noite, pois todos os outros bares e nightclubs estavam fechados. Estavamos todos muito tristes e chocados, mas foi uma noite muito bonita e inesquecível.

Pergunta: Trinta anos atrás você estava sem contrato com gravadora, tocando em lugares pequenos como no início de sua carreira e tinha acabado de perder seu nightclub Checkerboard Lounge para seus credores. Hoje você tem contrato com um selo importante, toca em teatros grandes e é dono do mais vistoso nightclub de blues de Chicago. Como foi essa volta por cima? 

Buddy Guy: Me sinto muito satisfeito com tudo isso. Claro que não quero parar por aí, quero crescer ainda mais. Minha música ainda não chegou no ponto que eu almejo. Torço para viver muito, pois tenho consciência de ainda estou longe de chegar onde eu quero. Claro que tive muita ajuda dos meus amigos. Bastou eu ser convidado por Eric (Clapton) para dividir o palco do Royal Albert Hall, para poucos dias depois ser contratado por uma gravadora. Basta Bonnie (Raitt) ou Mick (Jagger) me convidarem para participar de alguma coisa e algo muito positivo acontece de repente na minha vida. Fico pensando como outros artistas negros que não tem amigos brancos muito influentes como os que eu tenho conseguem se virar.

Pergunta: Mas é tanto assim?

Resposta: Se não fosse por Eric (Clapton) e pelos Rolling Stones falando para o mundo inteiro quem somos nós, francamente... Eu me sinto abençoado por ter amigos como eles. Os Stones ficaram chocados quando vieram tocar aqui nos Estados Unidos na tournée de 1969 e descobriram que quase ninguém por aqui sabia quem era Muddy Waters. Eles lá em Londres tinham Muddy como um herói americano. O nome The Rolling Stones vinha de uma canção de Muddy Waters. Era um enorme contrassenso. E é sempre bom lembrar que Jimi Hendrix também teve que ir para Londres para conseguir um contrato com uma gravadora, pois aqui ninguém botava fé no taco dele. Não é fácil ser negro por aqui.

PerguntaVocê está completando 80 anos de idade, e já viu muita gente entrar em cena e muita gente sair de cena. Você acha que o blues está em boas mãos?

Buddy Guy: Eu torço sinceramente que esteja, até porque não há muito o que fazer senão confiar nos artistas jovens que estão por aí. É uma sorte termos Eric Clapton e Jeff Beck ajudando a manter o blues vivo. Muitas FMs se recusam a tocar blues, mas Clapton e Beck eles tocam. É muito pouco ver blues tocando apenas nas Satellite Radios. É importante que toquem Muddy Waters com frequência para que a garotada descubra de onde surgiu tudo isso.

Pergunta: Qual foi o maior elogio que você recebeu de outro músico?

Buddy Guy: Jimi Hendrix não era de falar muito, mas ele me disse certa vez que roubou alguns licks de mim. Eric Clapton me disse coisa parecida alguns anos mais tarde. Eu certamente me apropriei de algumas sacadas de B.B. King, e ele sabia disso e nunca se importou com isso. Éramos muito amigos. Muddy Waters me dizia: "não ligue para isso, todos nós carregamos alguma coisa de alguém". Ele estava certo. Todos nós, guitarristas de blues, carregamos conosco alguns licks de B B King. E é bom que seja assim.

Pergunta: Seu novo disco soa como uma carta de amor ao blues. Era essa sua intenção ao gravá-lo?

Buddy Guy: Seja lá o que for, eu espero sinceramente que seja envolvente a ponto de tocar uma pessoa que não está habituada a ouvir blues e fazê-la se interessar a ouvir mais e mais e mais blues. Muita gente ainda tem aquele preconceito de blues é música triste. É importante que essas pessoas descubram que não é bem isso, que blues é um tipo de música sobre sobre bons e maus momentos.

Pergunta: O que é o blues para você?

Resposta: Para mim, o blues está em toda parte. Ele está na nossa família, com as nossas namoradas, nossos amigos. Perdi alguns bons amigos depois que emprestei dinheiro para eles. Isso é o blues, meu caro!



Buddy Guy conversa candidamente
sobre seus 80 anos de idade
pouco antes de participar
do Festival de Montreux deste ano
ao lado do grupo texano Z Z TOP
no último dia 4 de Julho

Aqui, uma performance sensacional
gravada em Nova York 3 anos atrás
quando Buddy Guy completou
77 anos de idade.


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