Skip to main content

O AGORA ETERNO B B KING, NUMA CONVERSA LIGEIRA EM 2009



O senhor esteve no Brasil em 2006, disse que podia ser a sua última vinda, e agora está de volta. Há algo de especial em tocar no país?

B B KING: Eu gosto de tocar aí, sempre que vou me divirto bastante. A comida, a bebida, é tudo muito bom. Não vou lembrar de alguma receita específica, mas vocês têm uma comida ótima, que sempre me deixa feliz. E nunca ouvi um artista brasileiro que não tenha gostado. Não lembro nomes porque não tenho uma memória tão boa quanto a sua, estou com 84 anos, mas ouvi ótimos músicos aí.

Falando em idade, o que não dá mais para fazer aos 84 anos?

B B KING: Muito. Quando era jovem eu corria rápido, jogava baseball, fazia um monte de coisas, hoje tenho diabetes, o que acaba fazendo muita diferença. Quanto mais velho você é, pior fica.

Na hora de tocar guitarra, a idade também atrapalha?

B B KING: Eu adoro tocar minha guitarra, me sinto bem tocando, mas quando você fica velho não consegue fazer na guitarra as coisas que fazia fácil aos 18, 19 anos. Claro que ainda posso tocar bem, mas não como tocava naquela época.

Mas a experiência não conta a favor nesse caso?

B B KING: Vou te dar um exemplo: nós perdemos um grande músico alguns meses atrás, o Les Paul, por causa da artrite. A doença já não o deixava abrir a mão. Eu não estou tão mal, mas tenho o mesmo problema, assim como muita gente idosa nos Estados Unidos. É algo que afeta suas mãos, suas costas, seus pés. Então, quando dirijo ou toco guitarra, percebo que minha mão já não é tão firme como costumava ser. Mas tenho certeza que você vai gostar de me ouvir tocar, mesmo assim.

O senhor sempre foi um apreciador de carros. O que dirige hoje?

B B KING: Eu adoro carros, e hoje tenho uma Mercedes em casa e um ônibus para as excursões. O ônibus é uma casa móvel, com uma cozinha e todo o resto. Claro que não dirijo o ônibus, tenho um motorista contratado para isso, aí aproveito para estudar, ver televisão e fazer tudo aquilo que se faz em casa.


O senhor sente que ainda tem algo a aprender como guitarrista?

B B KING: Tenho muito a aprender como pessoa, não acredito que ninguém é tão bom assim. Houve um guitarrista espanhol chamado Andrés Segovia, ele sim, para mim foi o melhor do mundo. Eu não, eu aprendo coisas novas todos os dias. Enquanto estiver vivo, vou buscar aprender algo novo, não só sobre tocar guitarra, mas sobre tudo.

As mulheres sempre foram uma inspiração para a sua música. Isso também mudou com a idade?

B B KING: Bem, eu não sou gay. E não sendo gay, eu amo as mulheres. Não acho que exista algo melhor no mundo do que as mulheres. Acho que elas são o grande presente de Deus para a humanidade.

Quando toca um blues, eu penso logo num bar esfumaçado, uma dose de Bourbon e um cigarro. O senhor gosta dessas coisas?

B B KING: Você já me viu bebendo ou fumando? Então, eu não faço isso. Eu posso eventualmente tomar uma taça de vinho, mas é muito de vez em quando.

Bom, eu ia perguntar se já experimentou caipirinha, mas, se o senhor não bebe…

B B KING: Não é que eu não beba. O que quero dizer é que vejo muita gente que bebe todo dia, bebe para subir no palco, bebe para tudo, e isso eu não faço. Eu não saio para ir a um bar, entende? Os únicos bares a que vou são os meus clubes de blues e o de Buddy Guy. Inclusive fui lá recentemente e só tomei uma cerveja. Mas, em todo lugar em que vou me apresentar, está no contrato que eles devem me servir uma garrafa de um bom vinho. Portanto, se estiver a fim de beber, eu bebo. Mas só se quiser.

Há algum vinho que o senhor aprecie em particular?

B B KING: Não, gosto de vinho tinto em geral, não tenho um preferido. Quando fico com vontade de beber alguma coisa, o que não é comum mas acontece de vez em quando, bebo uma taça de vinho. Vocês têm bons vinhos aí. Se eu estiver em um bom jantar, com belas moças ao redor, posso querer tomar um vinho com elas. É raro, mas acontece.

Durante todos esses anos, qual foi o lugar mais estranho a que o senhor já foi e o lugar ao qual queria ir mas não foi?

B B KING: Bem, quase todos os países são estranhos de alguma forma, são diferentes da minha cultura, mas eu aprendi que tentar entender a cultura dos outros faz você mais sábio. Então tenho um real interesse, quando viajo, em saber o que você gosta, o que uma pessoa de outro país gosta, e gosto de ser assim. Não me lembro de algum lugar a que queria ir e não fui, mas não me aposentei ainda, então, enquanto estiver na ativa, irei a qualquer lugar que me quiser.

O senhor teve dois fãs que estão na galeria de mitos do rock’n’roll, Jimi Hendrix e John Lennon. Este último chegou a declarar que o sonho dele era tocar guitarra como B.B. King. Quais são as suas lembranças da convivência com Lennon e Hendrix?

B B KING: Eu e Jimi conversamos muito e em vários momentos. Quando o conheci, ele tocava guitarra na seção rítmica da banda de Little Richards, e, toda vez que nos encontrávamos, falávamos de música. E nos encontramos muito. Já com Lennon eu estive algumas vezes, e te confesso que fiquei muito surpreso ao ouvi-lo dizer isso. Eu não esperava, uma vez que ele liderava os Beatles, que eram o maior conjunto pop do universo.

Buddy Guy disse recentemente que o blues perdeu espaço entre os jovens negros dos Estados Unidos para estilos como rhythm’n’blues e hip-hop. O senhor concorda com isso?

B B KING: Todo mundo tem um pai. Então, quando você ouve os jovens que fazem hip- hop, eles tiveram de aprender aquilo a partir de algum lugar, e gente como eu, Buddy Guy e tantos outros foi uma fonte de inspiração e de aprendizado para que eles possam fazer o que fazem.

Isso quer dizer que o blues perdeu mesmo espaço?

B B KING: Sim, claro, porque cada geração tem a sua turma. Meu Deus, eu fui à guerra quando tinha 18 anos, e isso foi em 1943! Você percebe quantas gerações já passaram por mim desde então? Eu não poderia esperar que os jovens gostassem de tudo o que nós tocamos hoje. Eles têm o groove deles, fazem as coisas deles, o que acho absolutamente natural.

Mas o senhor ouve e gosta, por exemplo, de Beyoncé?

B B KING: Não gosto de tudo de certos estilos de música, mas gosto de algumas coisas de todos os tipos de música. Beyoncé é uma mulher muito bonita e muito talentosa. Eu não a conheci pessoalmente ainda, mas torço para que isso aconteça.



O senhor sente que está deixando seu legado em algum músico da nova geração?

B B KING: Eu ouço gente tocando blues em todas as partes do mundo, no Brasil, no Japão, na China. E ouço algo do meu jeito de tocar em cada um desses músicos, ainda que, ouvindo melhor, também perceba que todos eles têm sua maneira própria de tocar.

É verdade que, quando visitou o papa João Paulo II, em 1997, o senhor lhe deu uma de suas guitarras Lucille [uma versão customizada do modelo Gibson ES-355 feito especialmente para King] e ele tocou The Thrill Is Gone?

B B KING: É verdade que eu dei a ele uma guitarra quando estive no Vaticano, mas essa história de ele ter tocado uma música para mim é mentira, foi uma brincadeira que o meu pessoal espalhou. Mas João Paulo II realmente tocava guitarra antes de se tornar papa. Muita gente não sabe disso.

Falando em Lucille, o senhor deixou uma no clube paulistano Bourbon Street em 1993. Quantas Lucille estão espalhadas em clubes pelo mundo?

B B KING: Ah, não sei, não vou me lembrar assim de cabeça. Mas posso te dizer quantas Lucille eu tenho em casa: 16.

Um jornal inglês disse que apostar seria uma de suas fraquezas. É verdade que há uma sala de apostas na sua casa?

B B KING: Eu costumava gostar de apostas, mas nunca tive uma sala de apostas em casa. Se alguém publicou isso, é mentira. Não gosto mais, é algo que não faz mais parte da minha vida. [Pausa.] Mas, se eu ainda fizesse as minhas apostas, tenho 84 anos, por que eu diria isso em público?





Comments