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MUDDY WATERS, CEM ANOS BLUES (por Chico Marques)



Muddy Waters era meio avesso a entrevistas. 
Apesar de ser todos os relatos dos que conviveram com ele
 indicarem que era uma pessoa afável e generosa,
 existem poucos registros de conversas com ele
 na Imprensa Americana -- o pouco que existe
 foi concedido à Imprensa Européia nas inúmeras tournées
 que Muddy e sua banda fizeram por lá nos anos 1960 e 1970.

 Mas em Março de 1985, a prestigiada revista Living Blues
tratou de suprir essa lacuna publicando
 uma extensa entrevista com o Rei do Blues de Chicago
 -- que, na verdade, é uma coletânea de conversas gravadas
 com Muddy entre 1974, 1980 e 1981
 pelo casal de jornalistas musicais Jim e Amy O'Neal.

 O resultado é emocionante,
 e, para mim, pessoalmente, 
resgatar e traduzir esta entrevista
 justo no dia em que Muddy Waters
 -- ou McKinley Morganfield, seu nome de batismo --
 completaria 100 anos de idade
 não só é um imenso prazer,
 como também um enorme privilégio.

 Vamos a ela:



Você nasceu em uma vila ou em uma plantação?

Eu nasci em uma plantação, em uma aldeia chamada a Rolling Fork, nada mais do que algumas casas ao redor da fazenda, você sabe...

Que tipo de plantação era?

Tinha algodão e milho. No meu tempo, no Delta do Mississippi, só se cultivava algodão, milho e feijão. Começaram a cultivar arroz só depois que eu saí de lá.

Você tocou guitarra profissionalmente nesses anos no Mississippi?

Se eu toquei lá profissionalmente? Bem, eu chamo profissional, porque todo sábado à noite toco em algum lugar, e consigo viver disso. Lá era diferente. Tínhamos que trabalhar no campo durante a semana para garantir o sustento, e era muito raro ter a oportunidade de tocar, como aqui no Norte, de segunda a sexta-feira. No Sul não era assim. Tocávamos no sábado à noite, e às vezes na noite de domingo também, e olhe lá.

Você está jogado sozinho ou com outras pessoas?

Eu toquei muito tempo sozinho. Depois, passei a fazer duo com outro guitarrista, que também tocava harmônica. O nome dele era Scott Bohanner. Nós aprendemos juntos.

Você sabe o que aconteceu com ele?

Sim, vive em Chicago. Mas parou de tocar e entrou na igreja. Agora é pregador.

Você estava determinado a ser um músico?

Quando eu saí de casa, eu ainda era uma criança. Daí, eu vivia na dúvida se eu queria ser um músico, ou um bom pregador, ou um jogador de baseball. Tinha essas três escolhas pela frente. Não poderia jogar baseball direito, porque eu quebrei meu dedo mindinho e o perdi. Não tinha vocação para pregador também, nunca fui santo. Então, tudo o que me restava era a coisa da música.

Quando teve sua primeira guitarra?

Em 1932.

Que outras bluesmen você ouvia no Mississippi quando era jovem?

Son House, principalmente. Fui muito influenciado por ele.

Você o conheceu pessoalmente?

Sim, eu o conheci. E conheci Robert Johnson também. Aprendi algumas coisas com ele. Mas Son House é que era o Rei do Blues naquela época.

Quem foi o melhor guitarrista que você conheceu antes de vir para Chicago?

São House. Só fui conhecer Robert (Johnson) bem depois. Eu achava que Son House era o melhor guitarrista do mundo. Eu via aquele jeito dele estrangular o braço da guitarra e vibrava com o som que saía dalí. Aquilo era a minha cara.... Me sentia em casa ouvindo Son House. ...

Muddy, eu odeio a incomodá-lo com essa questão. Todo mundo já lhe pediu, e eu vou ter que lhe pedir também, porque parece que as pessoas querem saber tudo sobre Robert Johnson...

Sim, eu fui perguntado várias vezes, e sempre dou a mesma resposta: Eu não conhecia Robert pessoalmente, só nos encontramos uma vez. Mas foi muito proveitoso. Eu amei a sua música.

Você o ouviu tocar ao vivo?

Bem, ele estava tocando quando eu o vi, mas havia tantas pessoas ao redor que não podiam ver muito bem. Mas eu ouvi, sim ... O caso é que nós trabalhamos na mesma área e tínhamos os mesmos amigos. Vivíamos em cidades quase vizinhas, a 20 milhas de distância, mas não nos conhecíamos. É engraçado, sabe?

Robert viajou muito.

Sim, mudou muito.

Você já ouviu falar deste álbum?

Sim, eu ouvi o primeiro 78 rotações, que chamou "Terraplane Blues". O Lado B era "Walking Blues". Seus discos eram muito aguardados.

Onde você conseguia discos de Robert Johnson? 

Não havia lojas de discos na época. Em Redondo, eu comprava em Drugstores ou naqueles Armazéns que vendiam de tudo, desde comida até armas e munição.

Eles tinham tudo, até discos.
Pois é... até discos, sim.



Você gosta do estilo de Tampa Red?

Sempre gostei do estilo de Tampa Red, fez grandes gravações. e gravou alguns dos melhores álbuns que eu já ouvi.

Ia vê-lo jogar com frequência?

Ah sim. Ele era um cara tranquilo. E Maceo estava sempre com ele. Big Maceo era um cara muito bacana, bom de cabeça. O problema é que, depois da morte de sua mulher, Tampa desistiu de tudo e perdeu a razão. Quando deixou o hospital psiquiátrico, eu tocava no Club 708 South Side. Tentei ajudá-lo com alguma grana, mas ele disse: "Não, eu não preciso de esmolas". Isso me deixou confuso. Eu pensei que estava fazendo o bem e ajudando, você sabe...

Você chegou a conhecer Lonnie Johnson?

Com Certeza. Eu o conheci no Sindicato dos Músicos. Foi quando Chess Goldstein (Sammy Goldberg), um rapaz negro, era olheiro e queria me ouvir tocar uma música, só que eu estava sem minha guitarra. Pedi a Lonnie Johnson sua guitarra emprestada, e ele disse: "Não, não empresto para ninguém". Goldstein disse: "Deixa disso, ele não vai comer a sua guitarra". E Lonnie disse: "Não. Dane-se" (risos). Por sortem alguém apareceu com uma outra guitarra e pude me apresentar. Big Lonnie Johnson... Desde que ele morreu, eu nunca mais tinha falado mal dele... Nunca fomos amigos. Nunca conseguimos conversar civilizadamente. Teve uma vez em que estávamos todos na Europa em turnê para Horst Lippman (The American Folk Blues Festival), mas faltava Lonnie. Então, descobrimos que ele havia sido deixado em Nova York. Fizemos muitas piadas com isso na ocasião. Lonnie não era fácil. Se achava o máximo. Achava que o mundo cabia num frasco, e este frasco estava em suas mãos. Coitado... teve um fim muito triste.

Mas você gostava da música dele, não?

Adorava. Ele tinha uma voz encantadora. Eu realmente gostei de Lonnie.

Você tentou tocar nesse estilo?

Não. Eu tocava à moda de Son House. Mas Lonnie era um talento genuíno, talvez um gênio. Ele era capaz de tocar como Robert Johnson. Lonnie Johnson poderia tocar como ninguém!

Você chegou a conhecer Elmore James no Sul?

Sim, man, com certeza. Elmo James veio para tocar em uma das minhas performances. Veio na banda de Sonny Boy Williamson. Tocamos juntos em uma roadhouse em Helena, Arkansas. Elmo era divertido.

Quando você conheceu Sonny Boy Williamson (Rice Miller)?

Em Helena. Eu fui até lá, tocamos juntos numa noite de sábado, depois fizemos um programa de rádio juntos na hora do almoço. Éramos nós dois e mais um violinista extraordinário, Henry Sims, que chamávamos de Son Simms. 

Quando foi isso?

No início dos anos 40.




Son Simms e Muddy Waters, quem diria... Você ouvia muito o  "King Biscuit Time"?

Se não havia rádio na casa onde eu estava, eu corria para a casa ao lado para ouvir. Eles eram muito bons. extraordinário. O programa era ótimo.

Eu acho que também Little Walter chegou a atuar em outro programa naquela estação.

Sim, ele estava lá. Tocava com Sonny Boy e vários outros, mas não conseguiu ter o seu próprio programa.

Você já conhecia Little Walter?

Não, fui conhecê-lo só em Chicago. Foi pouco antes de eu começar a gravar, por volta de 1944, 1945.

Quem foi a primeira pessoa que você ouviu tocar guitarra elétrica?

Big Bill Broonzy foi o primeiro que vi com meus próprios olhos com uma guitarra elétrica nas mãos. Na época era comum eletrificar uma guitarra acústica pequena, inserindo um microfone dentro dela. Big Joe Williams usava uma dessas quando acompanhava Sonny Boy Wiliamson. Mas não era a mesma coisa, nem de longe... Guitarra elétrica tinha nobreza....

Quem foi o primeiro artista a tocar gaita amplificada que você ouviu?

Rice Miller, Sonny Boy Williamson. Em Helena. Tinha uma banda infernal com ele: Willie Jo Peck, Dudlow e todos os outros.




Quando você veio para Chicago, os blues eram tocados de uma maneira bem diferente da que você tocava, não?

Muito diferente. Eu vim para Chicago com meus blues e eu tive que me adequar ao jeitão daqui. Mas todos os que vieram antes de mim também tiveram, e agora davam as cartas por aqui -- gente como Memphis Slim, Tampa Red, Big Maceo Merrywheather, Big Bill Broonzy... Big Bill foi o melhor cara que eu conheci na minha vida. Me deu muitos conselhos, era um grande amigo. Foi graças a ele que tomei coragem para tocar na Inglaterra em 1958. Ele tinha ido antes e me deu todas as coordenadas. Big Bill era meu mentor. Foi uma dos maiores no negócio.

O que ele fez para ajudá-lo, para incentivá-lo?

Bem, eu fazia propaganda minha onde ele tocasse por aí. Como tinha credibilidade, colava. Ele dizia para os donos de bares: "Você não ouviu nada se ainda não conhece o jovem Muddy Waters de Clarksdale, Mississippi, traga-o e você não irá se arrepender"

Será que isso ajudou em Chicago também?

Bem, não demorei muito para gravar, foi rápido. Deve ter ajudado sim, mas não tenho como medir. Sempre foi um grande amigo, e qualquer coisa que me pedisse eu tentava conseguir para ele. Era uma estrela, mas isso nunca subiu para sua cabeça, como aconteceu com tantos alguns caras -- e eu não quero dizer seus nomes, tem vários que julguava serem meus amigos e depois descobri que não eram.

Quem eram as músicas que você tocava quando veio para Chicago?

Leroy Carr, Piney Brown, Robert Johnson, algumas canções minha...

Você gravou algumas faixas para Columbia nos anos 40, mas não foram publicadas em seguida.

Eu fiz antes de começar a gravar com a Chess e, bem, elas nunca foram lançadas na época..

Sim, e no final das contas essas gravações acabaram saindo em um LP da Testament. Você já ouviu falar?

Ah sim. Devo ter que LP por aqui em algum lugar.

É tão bom quanto suas gravações para a Chess?

Cara, é bom sim. Eu sei que fiz bem desde o início. Tudo certo. Mas, você sabe, quanto mais você trabalhar, melhor você vai ficar, mais experiência vai adquirir, e isso é sempre um plus.

Os tópicos que você gravou para Aristocrat eram muito diferentes. Foi sua idéia de gravar a si mesmo com o baixo?

Foi sim. Eles escutaram e o Manager disse: "Ei, coloque Big Crawford no baixo, apenas assinalando, e teremos algo de muito interessante". Ele encheu bem as lacunas, eu entendi o que eles queriam dizer.

Você já tinha trabalhado antes com Big Crawford?

Não. Foi muito divertido. Ele riu de mim, se divertiu bastante fazendo isso também. Ele disse: "Este é o meu estilo" (risos). Crawford, em seguida, foi tocar com Memphis Slim ...




Foi você quem recomendou Chuck Berry para os Irmãos Chess?

Sim, fui eu. Bem, eu enviei a eles. Chuck veio a um show de minha banda, foi chamado para subir ao palco com sua guitarra e tinha um jeitão diferente, tanto na postura quanto na atitude, e também no jeito de tocar e se mover no palco. Eu disse: "Bem, melhor que Phil e Leonard Chess o !descubram" antes que algum faça isso. E acabou dando muito certo para Chuck.

Onde você conheceu Chuck Berry?

Eu o conheci em Saint Louis, mas só viemos nos conhecer direito aqui em Chicago. Foi quando o recomendei. Quando cheguei ao Estúdio no dia seguinte, levei uma bronca de Leonard, que não entendeu o que era "Maybelinne". Disse a ele: "Que importância tem isso? Grave logo esse rapaz". E ele gravou. E "Maybelline" foi o single mais vendido de toda a história da Chess Records.

Você tentou mais uma vez tocar guitarra sem bottleneck?

Ah sim. E eu costumava tocar muito bem. Mas sempre a minha me senti melhor tocando slide, você sabe...

Você pode nos citar alguns dos músicos famosos que passaram por sua banda?

Eu trabalhei muito com Babyface Leroy, Little Walter, Jimmy Rogers, Junior Wells, James Cotton, Otis Spann ... todos saíram da minha banda. Otis Spann era meu favorito. Nos queríamos como irmãos, éramos grandes amigos e parceiros musicais. 

E dos gaitistas com quem trabalhou, qual o maior?

Destes, eu tiro meu chapéu para Little Walter, mas tenho que admitir que tive alguns realmente grandes. Eu tinha um grande gaitista branco, Paul Oscher, e agora estou com outro, Jerry Portnoy, que é excelente.

Pinetop Perkins agora faz parte de sua banda. Que tal trabalhar com ele?

Ele tocou com Earl Hooker por muitos anos. Quando liguei para ele que ele estava parado, tinha acabado de sair da banda. Ele estava com Earl Hooker muito, muito tempo. E tinha um passado glorioso, tocou com Robert Nighthawk, com King Biscuit Kids, tocou com Little Milton, e até com Ike Turner. Ele era perfeito ao lado de Ike, contrapondo seu piano boogie-woogie com a guitarra sincopada de Ike. 

Você conheceu Ike naquela época?

Ah sim, eu conheci bem Ike. Olha, Ike é um garoto de Clarksdale, Junior Parker também era um garoto de Clarksdale. E Jackie Brenston, o que os fez "Rocket 88", também era um garoto de Clarksdale. Lá, eu conheci todos eles.


Em seu primeiro ano na Chess, você usava nos shows a mesma banda que tocava nos seus discos?

Não todos, senão a coisa ficava inviável comercialmente. Mas alguns, com certeza.

E funcionava?

Sim, ficava bem parecido. A única coisa que adicionamos foi uma bateria. Funcionava assim: Jimmy Rogers e eu só sabíamos tocar guitarra, e Little Walter só sabia tocar harmômica. Dai, sobrou para Baby Face Leroy, que era tanto guitarrista quanto baterista, a pegar nas baquetas.




Seu primeiro gaitista foi Little Walter?

Não, o primeiro foi Jimmy Rogers. 

Snooky Pryor diz que Jimmy poderia ter sido um grande gaitista se tivesse se dedicado mais. Ele acha que Jimmy Rogers poderia superar todos os gaitistas da época.

Ah!, Jimmy era muito bom. Mas nunca foi um Little Walter, não. Dava pro gasto, era muito bom.

Para que tipo de público você tocava, então? Só negros?

Só negros. Era assim nos anos 40. Mas, em seguida, mais tarde, na década de 50, começaram a chegar muito jovens brancos da Universidade de Chicago. Eles vieram para os bairros negros nos ouvir tocar e estar conosco.

Eu acho que a primeira apresentação de "Juke", clássico número instrumental de Little Walter, foi num show de Muddy Waters, não foi?

Foi sim.

E porque ela foi lançada em nome de Little Walter, apesar de ser um número com a banda de Muddy Waters?

Bem, isso foi idéia de Leonard. Ele queria gravar esse número e colocá-lo em nome de Little Walter.

E então você chegou ao topo das paradas sem receber o crédito por isso, não foi?

Não posso reclamar, meus singles vendiam muito bem. Só o primeiro, "Feel Like Going Home", não funcionou. Mas então vieram "I Can't Be Satisfied", "Screamin' & Cryin'", "Rolling Stone", "Still A Fool", "Mad Love", "I Just Want To Make Love To You", "I'm Ready" e "Natural Born Lover"....

Então para você isso não gerava um problema de identidade para a Muddy Waters Band?

Não. Era natural. Little Walter também queria ter um bom álbum e fazer sucesso por conta própria. Claro que houve um remanejamento de músicos na banda por conta da carreira solo de Little Walter, mas é assim mesmo. Seria muito egoísta da minha parte querer que todos permanecessem comigo indefinidamente. Todo mundo merece ter sua chance.

Foi difícil achar um gaitista para substituir Little Walter na banda?

Pelo contrário, foi fácil. Na época, todo jovem gaitista queria tocar como Little Walter, e alguns chegavam bem perto. Foi quando Junior Wells e os Four Aces vieram abrir os nossos shows. Chegamos a juntar as duas bandas diversas vezes no mesmo palco. Era uma farra.

Você ia muito para o Sul para procurar novos talentos?

Sim, foi numa dessas viagens que conheci Big Walter Horton. Quando Júnior Wells foi servir o Exército, eu trouxe Walter para substituí-lo na banda. Horton tocou com a banda durante um ano inteiro. Quando saiu, alegou estar doente e me indicou um jovem gaitista que ele estava treinando para assumir seu posto na banda, chamado Henry Strong Pot, que era muito talentoso, mas também muito mulherengo, e tinha uma namorada ciumenta que um belo dia apareceu, deu um tiro nele, e ele morreu. Walter voltou para a banda por mais algumas semanas, mas falhava muito, vivia alegando estar doente, e escondia de nós que estava se apresentando em outro canto da cidade. Pedi ao pessoal da banda que fossem até o lugar onde ele estava tocando e sentassem numa mesa bem diante do palco. Eles foram, e aplaudiram bastante. Walter ficou numa saia justa terrível. Oh boy, as coisas que fazemos nosse negócio... Música é um negócio estranho... (risadas)



Como foi que James Cotton entrou para a banda?

Bem, quando eu contratei Cotton, Junior havia largado o Exército e estava de volta à banda. Sempre que tínhamos uma apresentação marcada, lá vinhas os oficiais do Exército para prendê-lo. E ele sempre fugia. E nós sempre ficávamos na mão. Então, um dia, num show em Memphis, um cara que trabalhava para mim, James Triblett, disse que conhecia um garoto em West Memphis que tocava gaita extremamente bem. Fomos até lá e, depois de ouvi-lo tocar, eu o levei para Chicago comigo.

Você conhecia Howlin' Wolf antes de vir para Chicago?

Não, não, quando Wolf saiu de Memphis eu já estava aqui em Chicago há muito tempo.

Conte-nos um pouco da chegada de Wolf em Chicago...

Ele ficou na minha casa. Sim, eu me lembro muito bem de quando ele chegou. Ele dirigiu seu carro até aqui e ficou comigo até conseguir emprego. Eu o trazia comigo o tempo todo porque na ocasião eu tocava sete noites por semana, além das matinês. Era uma maneira de aporesentá-lo aos donos de bares da cidade. O Zanzibar era um clube que tinha dois bares. Wolf foi contratado para tocar no menor, enquanto nós tocávamos no maior, que ficava no cruzamento da Ashland com a 13.

Foi você que o convidou a vir para Chicago?

Não, ele veio recomendado, e eu já conhecia o trabalho dele. Mas ele era popular lá em Memphis. Aqui em Chicago ele era um ilustre desconhecido. Ele não queria ficar lá em casa, preferia ir para um motel. Como tinha fama de encrenqueiro, preferi que ficasse aqui, onde podia monitorá-lo de perto. Usei como argumento que eu iria primeiro arrumar trabalho para ele e só então procurar um hotel para ele morar. Além do mais, bancar um hotel para ele do meu próprio bolso estava fora de questão.

A banda dele veio com ele lá de Mremphis?

Não, eles se reuniram aqui. Tem um menino, Hubert (Sumlin), além de Little Joe (Jody Williams) e Earl Phillips na bateria -- que depois virou saxofonista, um caso raro. A banda dele era estranha. Hubert o deixou num determinado momento e voltou para Memphis, e Wolf chamou aquele menino, Willie Johnson, para substituí-lo. Trabalhei em diversas ocasiões tanto com Hubert quanto com Willie. Os dois eram muito trabalhosos.

Hubert Sumlin chegou a trabalhar com você?

Por pouco tempo, apenas três semanas. É um grande guitarrista, mas sua cabeça era meio atrapalhada. Gostava muito de brigar, vivia procurando confusão. E eu não gosto de brigas na banda.

Você e Wolf eram amigos?

Ninguém entendeu o que havia entre Wolf e eu. Ele não era amigo de ninguém. Mas respeitava quem ele julgasse tão bom quanto ele. Era o meu caso. Na época eu não conseguia entender isso. Ele queria ser o melhor, e é obvio que eu não iria deix-á-lo tomar o meu lugar. Modéstia á parte, sempre fui muito mais habilidoso do que ele. Eu sei que as pessoas pensavam que nos odiávamos. Ele costumava dizer às pessoas: "Essa banda de Muddy Waters não é tão boa quanto a minha" (risos). Nunca fui ameaçado por ele com armas, isso é tudo lenda. Wolf tinha ciúmes de seus músicos. Mesmo depois de tudo que eu fiz por ele quando chegou a Chicago, ele ainda dizia por aí que era melhor do que eu. Podia até ser. Mas a maneira como espalhava isso por aí era pouco convincente (risos).




O início dos anos 1960 foi tão bom para você quanto haviam sido os Anos 1950?

Os Anos 60 começaram meio retraídos, mas então a cena do blues começou a esquentar por volta de 1963, e daí pra frente não parou mais de crescer.

Desde então, você tem tocado muito para plateias brancas. Você acha que existe alguma diferença por tipo de público?

Bem, eu aprecio o sentimento das pessoas, seja da cor que forem. Toco pelo mundo inteiro, tenho admiradores das mais diversas cores. Para mim, é simples assim: se eu os agrado, ganho em troca aplausos e a certeza de que fiz meu trabalho bem feito. Agora, se eu fizer o que faço bem de verdade, aí eu serei aplaudido de pé. É isso que eu busco com meu trabalho a vida inteira pelos palcos deste planeta.

Como é o seu público hoje? 

Não há muitos negros, o que talvez seja um problema: Eu não acho que haja o suficiente. Há alguns, sim, mas a verdade é que eles não me tratam como eu acho que mereço. São os brancos que se preocupam de verdade comigo.

Você tem alguma preferência sobre onde tocar? Você prefere um concerto onde todos estão sentados para ouví-lo, ou um clube onde as pessoas se movem, dançam e bebem?

Eu não gosto de tocar para gente dançando, prefiro quando sentam e bebem. Porque se você está dançando, você não vai prestar muita atenção no que os músicos estão fazendo, você sabe... Se você está preocupado em dançar, não está prestando muito atenção na música.

Howlin' Wolf comentou freqüentemente que ele só cantou blues por dinheiro. Por que você canta?

Canto blues para ter dinheiro e porque gosto de cantar. Nem sempre consegui ganhar dinheiro, mas eu continuei cantando. E cheguei aqui.

Okay, vamos para a última pergunta: Você tem um álbum favorito de Muddy Waters? Qual é o seu favorito de todos os que você gravou?

"Long Distance Call". É por isso que eu canto as músicas desse disco. Bem, existem vários outros que eu também gosto muito, mas "Long Distance Call" é algo muito especial para mim. Olha... Graças a Deus eu paguei todas as minhas dívidas e sou grato por ter podido viver o suficiente para deixar minha marca por aqui. Eu tive uma pequena recompensa pelo que eu fiz, e eu sei que fiz algo de bom para a música. Estou satisfeito com isso.

















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