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ALEXIS KORNER, 87 ANOS BLUES (por Chico Marques)


Alexis Korner (1928/1984), o abnegado guitarrista que apostou suas fichas no Blues Britânico toda a sua vida, lançando dezenas de músicos talentosos em suas diversas bandas, completaria 87 anos neste último domingo.

Nascido em Paris de um pai austríaco com ascendência judaica e uma mãe meio turca, meio grega, Alexis chegou a Londres em 1940, bem no início da Segunda Guerra Mundial. Suas histórias sobre sua Infância na Guerra lembram um conto clássico de Graham Greene, chamado "The Destructors", sobre crianças que mal podem esperar pelo próximo bombardeio para poder brincar nos escombros da cidade.

Agente catalizador de todo o boom do blues britânico, ao lado de Cyril Davies e John Mayall, Alexis sempre foi avesso à mania dos ingleses de macaquear o Blues de Chicago. Apesar de ser, em tese, um purista do blues, na prática defendia que o Blues Britânico deveria ter uma identidade inglesa.  

Músico idiossincrático, frequentemente subestimado por ter uma carreira errante, Alexis Korner sempre fez o que quis. Em seus últimos 10 anos de vida, reduziu sua atividade como músico e passou a trabalhar como apresentador de programas musicais na BBC. Muitos ingleses ainda hoje morrem de saudades de sua voz rouca emanando pelas ondas do rádio. 

Por suas bandas passaram Jack Bruce, Ginger Baker, Graham Bond, Robert Plant, Terry Cox, Paul Jones, Andy Fraser, Victor Brox e Long John Baldry, além de vários membros dos Rolling Stones. Isso só para mencionar uns poucos.

Todos encontraram em Alexis Korner um refúgio de estabilidade emocional e respeitabilidade num momento em que o mundo lá fora ainda não estava preparado para sua música.

A seguir, trechos de várias entrevistas concedidas por ele para a Imprensa Inglesa nos Anos 1970.



"Acredite ou não, ser criado durante a Guerra foi maravilhoso, algo extremamente romântico para um garoto de 11 anos de idade. Os bombardeios eram como fogos de artifício. E o fato de, vez ou outra, nos depararmos com corpos pelo caminho tinha até um certo glamour."

"Minha biografia é provavelmente a mais incomum de toda a história do blues. Meu pai era um oficial da cavalaria do exército austríaco durante a Primeira Guerra Mundial. Minha mãe era greco-turca. Depois de sermos perseguidos na Áustria, fugimos para lugares onde tínhamos parentes: França, Suíça e África do Norte, Saímos da França para a Inglaterra num dos últimos navios de refugiados pouco antes da Ocupação Alemã. Foram tempos difíceis. Meu pai tinha 58 anos quando eu nasci. Na época, ele já era um homem cansado. Não era para menos. O que sei dele é que era um músico nato quando jovem, mas não desenvolveu sua vocação. Aos 5 anos de idade, ele me obrigou a ter aulas de piano clássico. Eu odiava aquilo. Mas então, em 1940, eu me deparei com uma gravação de Jimmy Yancey. Aquilo mudou a minha vida. Daí em diante, tudo o que eu queria era tocar blues, mais nada."

"Tocar blues e jazz na Guerra e no pós-Guerra era algo quase missionário, pois as pessoas passavam por privações terríveis, não havia comida, não havia porque celebrar coisa alguma. Nós vivemos no norte de Ealing, em Londres, onde havia um clube com um piano, e o dono deixava que eu mais alguns amigos tocássemos boogie-woogie. Um desses amigos era Chris Barber, e ele tinha uma coleção de discos sensacional. Eu vivia enfiado na casa dele ouvindo música o dia inteiro. Como não havia mercado para músicos da noite de Londres, o jeito era ticar nas rádios, que viviam uma época de ouro na ocasião."

No final dos anos quarenta, tive um quarteto de blues dentro de Chris Barber Jazz Band. Tínhamos uma entrada de 30 minutos por noite nos shows da banda. Nossa sessão rítmica era muito ruim. Era terrível para mim tocar guitarra sem amplificação ao lado de um banjo. Ninguém escutava coisa alguma, só aquele banjo insuportável. Os cantores também odiavam aquilo. Mas eu jamais iria arrumar confusão com Chris, pois era a única banda na qual eu era aceito como musico. Mas então surgiu Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Joe Oliver e aquele formato de banda de Chris ficou caduco de uma hora para outra. Como eu tinha familiaridade tanto com jazz quanto com blues, comecei a testar novos formatos musicais. Era a minha chance de virar band-leader."

"Nos Anos 50, eu era tido como um músico de Jazz, mas eu não me considerava como tal. Minha preocupação sempre foi com o humor na música, não com o improviso. Minha vocação sempre foi para maestro, não para solista. Tinha gente que me dizia que se eu não virasse solista e improvisasse bastante, jamais seria levado a sério como músico. Eu não comprei essa ideia. Pouco a pouco eu fui encontrando o meu caminho musical, e envolvendo outras pessoas nele."


"Na minha maneira de ver, um jazzista precisa sempre expressar-se em termos de som, ele deve ser identificável entre outros jazzistas. Já no caso do blues isso não é vital. No blues, o importante é achar o som certo. No blues, o ambiente musical que você está criando é mais importante do que a improvisação pessoal."

"Curiosamente, eu fui muito malhado pelos puristas do blues por me envolver com grupos de skiffle nos Anos 1950, com rock psicodélico nos Anos 1960 e com jazz progressivo nos Anos 70, Mas o caso é que para mim o blues sempre foi um ponto de partida, não um ponto de chegada. Com o skiffle, surgiu a primeira onda pop britânica. Pela primeira vez, singles de skiffle chegavam ao topo das paradas, quebrando com uma hegemonia americana de décadas. Em meados dos Anos 1950, haviam mais de 600 bandas de skiffle em Londres. Era uma febre. O jeito era se render a ela. As pessoas são injustas quando olham para o skiffle lá atrás de forma leviana. Todo movimento musical sempre lança bons ou ótimos músicos que, em circunstâncias mais rígidas, jamais surgiriam no mercado."

"Eu produzi os Vipers, o primeiro grupo de skiffle da dupla Colyer-Barber, depois produzi Lonnie Donegan, Nancy Whisky, além de um monte de coisas horrorosas como" Do Not You Rock Me Daddy-o 'e' Sail Away Ladies '. Tenho uma teoria pessoal de que Tin Pan Alley, em Nova York, era uma antes e outra depois do skiffle -- apesar do skiffle nunca ter sido exatamente popular nos EUA, ao menos não com esse nome."

"Como muitos números de skiffle eram velhos blues adaptados, vários artistas de blues dos Estados Unidos, com Leadbelly e Big Bill Broonzy, começaram a ser conhecidos na Inglaterra. O blues britânico dos Anos 1960 deve muito ao skiffle. O skiffle serviu como base para ele. Sem o skiffle, o Mersey Beat e o UK R&B jamais teriam acontecido."

"Quando montei o Blues Incorporated no início dos Anos 60, tocávamos toda quinta no Marquee, em Soho. Nosso primeiro álbum, gravado ao vivo, virou um clássico, menos por suas qualidades e mais pelo ineditismo da empreitada. Era o primeiro disco de blues de uma banda inglesa. E discos de blues não eram lançados na Inglaterra, tinham que ser importados dos Estados Unidos. Músicos vinham nos ver, queriam tocar conosco, durante algum tempo fomos a grande novidade na cena musical londrina. os integrantes da banda eram todos músicos de jazz, todos empenhados em difundir sua música para um público que até então não tinha se sensibilizado com o jazz. Ginger Baker é um músico de jazz. Dick Heckstall-Smith, Graham Bond e Johnny Parker também. Todos de escolas diferentes, mas todos jazzistas, com certeza."


"Todos nós sempre achamos que o jazz poderia ser uma música realmente popular se tivesse sido devidamente apresentada ao público. Aqui na Inglaterra, isso nunca aconteceu. A maioria dos músicos de jazz britânicos insiste numa atitude snobbish que não contribui em nada, e que só serve para perpetuar sua "exclusividade". É muito triste, o Jazz britânico poderia ter tido um destino muito melhor."

"O que deflagou o boom do Blues Britânico foi a saída de Cyril Davies do Blues Incorporated para montar sua própria banda, The All-Stars. A partir daí, muitos músicos passaram por essas bandas, e depois formaram outras, e a coisa cresceu sem controle. Foi ótimo. Eric Burdon, Long John Baldry, Ronnie Jones, Paul Jones todos vieram dalí. Numa determinada ocasião, tínhamos no Blues Incorporated nada menos que Charlie Watts na bateria, Dick Heckstall-Smith no saxofone, Jack Bruce no baixo e Mick Jagger nos vocais e na gaita. Que tal isso?"

"O Blues Incorporated mudou muito com o passar dos anos. Como o mercado estava aberto e cheio de possibilidades, a maioria dos integrantes da banda não permanecia por muito tempo e logo saía em alguma aventura mais pessoal. Em 1966, não parecia mais haver sentido em manter uma banda como o Blues Incorporated, e encerramos atividades. Quase todos os que passaram pela banda se deram bem. Com uma única exceção: o cantor Duffy Power, que sumiu do mapa por completo. Tinha um potencial enorme, mas alguma coisa saiu errado."

"Muitos seguidores puristas do Blues Incorporated acharam que eu havia enlouquecido quando aceitei comandar bandas de programas de TV, mas o caso é que nunca fui tão popular quanto nessas ocasiões. Infelizmente, por conta da exposição que tive, meu cachê ficou muito alto e comecei a ter dificuldade em conseguir trabalho com frequência. Mas foi bom, pois mantive meu trio com Danny Thompson e Terry Cox nos shows que apareciam, e esse trabalho acabou levando a um disco de que gostei muito de ter feito, "New Generation of Blues", em 1968."

"Quando eu olho para trás e penso sobre como as coisas mudaram, eu não posso deixar de rir. Anos atrás, eu queria tocar músicas de Chuck Berry com músicos de jazz, mas eles diziam que era indigno. Então, quis tocar canções da Motown com músicos de blues, mas eles disseram que seria humilhante. Vai entender..."


"Eu não acredito que tenha surgido uma forma britânica de blues -- ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, com artistas que reinventaram o gênero, como Johnny Winter. O blues inglês peca em diversos fronts: é duro demais, rápido demais e pouco emocional. Com ênfase exagerada nos 12 compassos, letras muito fracas e pouca originalidade. É muito deprimente, para ser franco. Muito pouco tem sido feito para misturá-lo com outras modalidades musicais, a fim de torná-lo algo bem difereciado, em vez apenas uma reencarnação do que deixou de ser funcionalmente útil nos Estados Unidos há 20 anos. Por mais que John Mayall e eu tenhamos tentado promover fusões musicais para tentar expandir o alcance do blues, somos quase exceções à regra."

"Nunca fui amargo em relação a não ter conseguido ser um grande nome na cena musical da Grã-Bretanha. Minha liberdade vale muito mais do todas as coisas que vem a reboque do estrelato. Não posso reclamar: minhas escolhas na vida foram todas musicais, não estratégicas em termos de carreira. Ou seja, deixei de ganhar muito dinheiro. Eu deixei a banda do Barber pouco antes dela ficar popular. Deixei a cena skiffle pouco antes dela explodir nacionalmente. Tentei ser pop, mas acabei desviando da rota e caindo de volta no blues. Fazer o que? Eu sou assim..."

"Eu nunca toquei na América antes. Sempre morri de medo de tocar lá. Vou agora (em 1971, nota do tradutor). Desde meus 12 anos, todo o meu pensamento musical tem sido influenciado pela música afro-americana, por isso não é uma decisão casual para mim. Eu tive que esperar até me sentir bom o suficiente, e ter chegado a um padrão de comunicação que serviria como um ponto de partida razoável na América. Agora estou pronto para arriscar. Meu arranque é lento. Eu faço as coisas devagar."

"Moro há muitos anos aqui em Queensway, entre o West End e Notting Hill. É uma área familiar e confortável. Não há músicos morando aqui -- o que é ótimo, pois me permite separar minha vida familiar da minha vida profissional. Antes de mais nada, sou um homem de família."




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