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ALBERT KING, 92 ANOS BLUES (por Chico Marques)


Nesse último dia 25 de Abril, Albert King comemoraria 92 de nascimento.

Nascido em Memphis, Tennessee, e totalmente auto-didata, Albert desenvolveu um estilo feroz na guitarra que encantou tanto adeptos do blues quanto roqueiros nos Anos 1960 e 1970.

Aconselhado pelo grande promotor Bill Graham, foi um dos primeiros artistas de blues a se apresentar para platéias brancas, em performances que marcaram época no Fillmore Auditorium, em San Francisco, e que viraram discos antológicos.

Albert esticava números clássicos de blues a épicos dez minutos de duração, permitindo que todos os músicos de sua banda improvisassem à vontade, como músicos de jazz. Claro que, para que isso fosse viável em termos artísticos, Albert sempre fez questão de estar cercado de alguns dos melhores músicos jovens da cena do blues.

Albert deu um nó na cabeça da maioria dos jovens guitarristas dos Anos 60. Michael Bloomfield sempre declarou que queria ser um dia tão bom quanto ele. Jimi Hendrix fotografava seus dedos para tentar entender sua técnica na guitarra. Eric Clapton emula seu estilo à perfeição em alguns números de seu disco "From The Cradle", mas insiste que levou anos e anos até finamente conseguir fazer isso direito.

Albert explodiu nas paradas em 1967, quando gravou seu lendário álbum de estréia na Stax Records, "Born Under A Bad Sign", acompanhado pelos integrantes clássicos do Booker T & The MGs: Steve Cropper (guitarra), Booker T Jones (teclados), Donald Duck Dunn (baixo) e Al Jackson (bateria).

Depois disso, gravou uma sequência fabulosa de discos de blues e soul music que o estabeleceram como um mestre absoluto desses gêneros, e virou um dos live acts mais poderosos da América, com shows com mais de 120 minutos de duração tanto em pequenos nightclubs quanto em grandes teatros.

A entrevista a seguir foi realizada pelo conceituado jornalista musical Alan Paul um ano antes de sua morte, por enfarto, em 1991, e foi publicada pela Revista Guitar World em sua edição de Julho daquele mesmo ano. Mostra Albert bem-humorado, satisfeito com a vida, tentando disfarçar seu cansaço, mas falando em aposentadoria, e ainda afirmando coisas como: "Eu nunca me considerei realmente um artista de Rhythm & Blues, sou um bluesman".

(eventuais falhas na tradução são de minha inteira responsabilidade)

Com vocês, o Rei da Gibson Flying V:

Mr. Albert King.  


AP: Você se afasta com frequência dos formatos de blues padrão. Como é que você chega na abordagem adequada para cada canção?

King: No início, nós tentávamos três ou quatro andamentos para cada canção, até encontrar o formato ideal e gravar. Os caras da Stax [guitarrista Steve Cropper, o baixista Donald "Duck" Dunn, o baterista Al Jackson e organista Booker T. Jones, mais o Memphis Horns] são craques em brincar com grooves diferentes, e sempre me ajudavam a encontrar o caminho certo rapidamente. Eu gostava de tocar com eles são muito imaginativos. Tenho saudades deles. 

AP: O seu estilo de guitarra mudou sensivelmente desde suas primeiras gravações para a Bobbin Records até seu trabalho para a Stax. Você não usava muito vibrato no começo, por exemplo.

King: Verdade. Mas eu nunca decidi mudar meu estilo original, ele mudou naturalmente. Nada pode permanecer igual para sempre. Eu faço todo o vibrato com a minha mão. Eu não uso nenhum gadget eletrônico ou coisa que o valha. Eu costumava usar apenas amps acústicos, mas agora uso um Roland 120 porque é mais fácil de manusear e ele agrada muito aos meus ouvidos.

AP: Sua música tem sempre muito suingue. Você ouve muito jazz?

King: Sim. Eu sempre fui um amante de jazz -- especialmente jazz de big bands. Adoro misturar o jazz com o blues. Arranjos de jazz ficam ótimos com guitarras de blues na linha de frente.

AP: O Tom de sua guitarra é sempre muito lírico. Você acha que sua guitarra é como uma segunda voz para você?

King: Sim, com certeza. Sempre digo que eu toco a "singing guitar". E não tenho problema em cantar enquanto toco.

AP: Você não toca um monte de acordes.

King: Não, eu toco nota por nota. Eu poderia tocar acordes, se quisesse, mas estou pagando bem para que outros na banda façam isso por mim. [Risos.]

AP: Acho curiosa essa sua tendência de bater em duas cordas ao mesmo tempo.

King: Sim. Muitas vezes não tenho a intenção de fazer isso, acabo fazendo sem querer. Meus dedos endurecem, pois eu não pratico. Quando eu termino um concerto, eu não quero nem ver a minha guitarra por um tempo.

AP: Você sempre se sentiu assim?

King: Não, não. Apenas recentemente, de uns quatro ou cinco anos para cá. Desde que eu tenho realmente em me aposentar.
AP: Eu já ouvi histórias de pessoas que tentaram copiar o som, mas não sabiam que você estava tocando a guitarra de ponta cabeça.

King: [Risos.] Sim, eu já ouvi isso também. Tem gente que reposiciona as cordas de suas guitarras para obter o meu som. É cada uma... Jimi Hendrix fotografava meus dedos para tentar entender o que eu estava fazendo. Mas Jimi era um guitarrista infernal, de uma rapidez assombrosa. tem uns meninos novos que, de tão rápidos, parecem queimar o braço da guitarra.

AP: Obviamente, Jimi Hendrix era um grande guitarrista. Mas você acha que ele era um guitarrista de blues?

King: Bem, para mim, ele exagerava quando tocava blues. Ele batia dois ou três licks bem colocados e depois acelerava e começava com aquela distorção toda que acabava abafando todos os licks que vinham na sequência. Eu gostava de sua forma de tocar, mas não chamaria de um grande bluesman. Até acho que ele estava indo nessa direção pouco antes de morrer, mas nós nunca saberemos ao certo. Ele não cuidava de si mesmo.

AP: O seu tom é tão difícil. Como você faz ele ficar tão pesado?

King: Eu costumo manter meu treble todo para cima, a menos que eu quero jogar suave. Aí eu fecho para baixo.

AP: Você realmente tem uma dinâmica muito eficaz. Você não acha que monte de guitarristas mais jovens desconhecem essa dinâmica?

King: Definitivamente. Porque eles gostam de tocar alto e alto o tempo todo. E quando você começa pronto para tocar acordes, você não tem mais para onde ir. Eu gosto de misturar volumes, graves e agudos. Se você não souber como misturar os highs e os bottoms com os mid-ranges, você não é um guitarrista completo.

AP: Qual é o erro mais comum entre jovens músicos de blues?

King: O overplaying. Tocam muito alto, gritam muito alto, e correm muito rápido. 
AP: Você tocou recentemente no álbum de Gary Moore, "Still Got The Blues". O que você acha do trabalho de guitarra de Moore?

King: Gary é um bom guitarrista. Para mim, Gary e Stevie Ray Vaughan são dois dos nossos melhores músicos jovens. Foi terrível quando perdemos Stevie. Eu queria mesmo ter visto Gary e ele tocando juntos. Teria sido um prazer. Que pena que não aconteceu.

AP: Você deu conselhos a Gary Moore?

King: Aprendi algumas coisas com ele, e ele algumas coisas comigo. Eu disse a ele para tocar mais manso, mas com kicks dobrados. Se você toca muito rápido ou muito alto, você anula o impacto do seu toque. Mas Gary é tão bom que toca um monte de notas e mesmo ainda soa bem. [Risos.]

AP: Muitos músicos de blues vão nas notas altas e depois se perdem em exibicionismos musicais desnecessários.

King: Sim, acontece muito. O caso é que quando você não consegue por feeling no que está fazendo, você não tem nada, mesmo estando com um show em andamento.

AP: Dá para aprender a tocar blues estudando nos livros ou lendo partituras?

King: De jeito nenhum, cara. Primeiro, você tem que saber o que você quer. Demora um pouco até a gente apreender que não existe uma lógica muito clara no uso dos licks. Tem sempre cerca de 15 ou 20 licks que você bater, e que irão funcionar. O segredo está na maneira com que você combina esses licks. E isso é completamente instintivo, e leva tempo. 
AP: Sua primeira aparição no Fillmore Auditorium, em San Francisco, 1968, abriu um público totalmente novo para você. Você ficou surpreso que as pessoas estavam esperando para ouvir a sua música?

King: Sim, foi surpreendente mesmo. Me deram as boas-vindas, me trataram muito bem. Bill Graham abriu para mim um público branco e jovem ao me escalar para tocar lá. Foi excelente.

AP: Robert Cray diz que uma das maiores emoções de sua vida quando você gravou sua canção "I'm In A Phone Booth, Baby"

King: Sim, gravei porque gostei do groove dela. É isso que procuro nas canções que gravo. Robert é um bom guitarrista e uma pessoa muito legal, mas eu não o vejo há já algum tempo e espero que o sucesso não tem subido à sua cabeça. Já vi isso acontecer com muitas pessoas, e é sempre muito triste. O que realmente importa é quem você é na essência e do que você é feito. Todos os que se acham maiores do que as aqueles que compram seus registros perdem o rumo de suas carreiras.

AP: Você tem uma presença de palco imponente. Alguém já tentou intimidá-lo no palco?

King: Não. Se o show é meu, então o palco é meu. Ai de quem se atrever. Vai levar a pior.

AP: Quando você começou a usar a Gibson Flying V?

King: Por volta de 1958. Todas as que tive foram feitas especialmente para mim.

AP: Por que você batizou sua guitarra "Lucy?"

King: Lucille Ball. Eu a amava.

AP: Nada a ver com Lucille de BB?

King: Pergunte a B B, não a mim. Minha Lucy foi batizada primeiro.

AP: Você e B B King sempre foram amigos, ou rolava alguma rivalidade entre vocês, já que os dois eram chamados de "King Of The Blues"

King: Imagina... de forma alguma... B B King, Bobby Bland e eu sempre nos demos muito bem, tanto que sempre trabalhamos juntos com frequência. Nesse show que estamos fazendo, eu abro para eles, com o maior prazer. Posso fazer meu show e ir para o hotel dormir. B B e Bobby são duas corujas, adoram passar a noite conversando depois do show. Falam pelos cotovelos aqueles dois. [Risos.]
AP: O fato de você ter tocado bateria afetou seu estilo na guitarra?

King: Não realmente, só serviu para me ajudar a identificar de imediato quando alguém está fora do tempo. E nunca fui exatamente baterista, só trabalhei como baterista para Jimmy Reed porque precisava do dinheiro na época. Na verdade, ser canhoto é que foi o grande diferencial para mim. 

AP: Você já usou palheta?

King: Eu não conseguia segurar uma. Meus dedos eram grandes demais. Elas voavam das minhas mãos. Tive que aprender a tocar sem palhetas.

AP: Que tipo de música sua primeira banda, o In The Groove Boys, tocava?

King: Sabíamos apenas três músicas. Nós as tocávamos em 3 versões: uma rápida, outra em tempo médio, outra bem lenta. Com isso, as três músicas viravam nove. Já era repertório suficiente para segurar um set inteiro.

AP: Você ensaiou muito sozinho antes de começar a tocar à frente de bandas?

King: Cinco anos sozinho, até começar finalmente a tocar ao lado de outro músico. Isso pode explicar um pouco do meu estilo. Tocar blues foi a vida que eu escolhi pra mim. Sempre segui 3 regras: tocar direito, tocar intensamente e nunca faltar aos shows. Nunca bebi, nunca usei drogas, e nunca permiti que pessoas ao meu redor fizessem essas coisas. Graças a isso continuo fazendo o que sempre fiz, esbanjando saúde e em boa forma. É triste ver as coisas terríveis que as pessoas fazem com si próprias.

AP: A cada 10 ou 15 anos, parece haver um renascimento do blues, e as pessoas dizem que há um acontecendo agora. Você concorda?

King: O blues "volta" sempre que alguém percebe que dá para ganhar alguma grana com ele. Não se ouvia falar de jovens tocando blues faz tempo, e de repente começam a promover Stevie Ray Vaughan e Robert Cray, que já estão batalhando há anos e anos. É tudo uma questão de exposição.







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