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LURRIE BELL em BLUESTIME (30 Março 2009)

por Chico Marques

fotos: Inês Dupetit




Digamos que uma pessoa que jamais tenha tido qualquer contato com o Blues de Chicago, caísse de paraquedas no Teatro do SESC Santos no último sábado de Agosto de 2008 e assistisse inadvertidamente à performance musical de Lurrie Bell e sua Chicago Blues Band. A pergunta é: teria essa pessoa alguma chance de não ser abduzida pela elegância e pela levada fulminante desses grandes músicos e desse gênero musical absolutamente cativante?

Eu acho pouco provável. O groove do Blues de Chicago é muito poderoso. E o formato musical adotado pelo quarteto de Lurrie Bell é -- ao menos na minha opinião -- o mais cativante de todos: baixo, bateria, órgão e guitarra. Uma combinação inaugurada nos bares do Lado Oeste de Chicago no final dos anos 50, que acabou dando o tom nos trabalhos dos jovens expoentes do gênero na década de 60, como Otis Rush, Magic Sam, Buddy Guy e Michael Bloomfield. Se hoje esse formato musical virou clássico, é graças ao talento inigualável desses grandes artistas. Lurrie Bell é um herdeiro valoroso dessa tradição musical. Filho do fabuloso gaitista Carey Bell (falecido dois anos atrás), toca guitarra desde os 5 anos. Aos 16, já fazia parte da banda do pai. Com o passar do tempo, virou o comandante da banda. Com isso, tomou coragem e gravou alguns discos solo para a gravadora JSP no final dos anos 80, sempre sob a supervisão do saudoso amigo Phil Guy (irmão de Buddy Guy) -- que, apesar de ótimos, tiveram pouca repercussão na ocasião.

Sua segunda investida solo, numa série brilhante de 4 discos repletos de composições próprias para a Delmark Records, gravados ao longo dos anos 90, teve melhor sorte. O primeiro, "Mercurial Son", de 1992, é um trabalho experimental criado à beira da loucura -- Lurrie vivia problemas psicológicos muito complicados na ocasião -- e é tido pela crítica como o disco de blues mais estranho de todos os tempos. Para se recompor, ele deixou sua carreira solo de lado e se refugiou por cinco anos na banda de seu pai. Recuperado, ele saiu solo novamente em 1997, com "700 Blues", um belo disco no formato clássico do Blues de Chicago dos anos 60. Um ano mais tarde, convocou nada menos que Dave Specter & The Bluebirds como banda de apoio e gravou mais um disco sensacional: "Kiss Of Sweet Blues". E então, em 1999, brilhou com "Blues Had A Baby", uma pequena obra prima, onde todas as suas experiências musicais anteriores se misturam, revelando o grande estilista do blues moderno em que Lurrie Bell se transformou.

De 2000 para cá, Lurrie gravou apenas 2 discos solo. Mas circulou pelo mundo afora, tanto com seu trabalho solo quanto como escudeiro de seu pai -- muito debilitado fisicamente a essa altura da vida, tanto que subia aos palcos sentado em uma cadeira de rodas. Juntos eles gravaram o DVD documentário "Gettin' Up Live At Buddy Guy's Legends", uma espécie de testamento musical de Carey Bell, que morreu antes de seu lançamento. Poucos meses mais tarde, Lurrie perderia sua mulher, a fotógrafa Susan Greenberg. Para não flertar com o desespero e não cair em depressão, ele mergulhou fundo no trabalho. O resultado é que seu último disco, "Let's Talk About Love", dedicado à memória dos dois, é justamente o seu disco mais sereno e delicado. A bela foto da capa é de Susan. Além do mais, "Let's Talk About Love" é seu primeiro trabalho em seu selo próprio, Aria BG, que leva o nome de sua filha, Aria Bell Greenberg. O show que vimos no Teatro do SESC Santos tem a ver com tudo isso. Como acontece com muitos músicos de blues em tournée pelo exterior, Lurrie Bell evitou apresentar material próprio -- tocou apenas o número instrumental "Lurrie's Blue Groove" logo na abertura -- e preferiu desfilar um set de blues clássicos em releituras muito inspiradas, bancando o Embaixador do Blues. O resultado disso é que mesmo quem já ouviu um milhão de vezes "I'm Ready", "Reconsider Baby", "Five Long Years", "Everything's Gonna Be Alright" e "Got My Mojo Working", com inúmeros artistas diferentes, acabou rendido ao talento e à nonchalance de Lurrie Bell e sua banda. No bis, nada menos que "Messin' With The Kid", clássico absoluto de Junior Wells, encerrando a noite com uma levada acelerada, vigorosa, sacana e perigosa.

Quem gosta de blues, saiu do show de Lurrie Bell e sua banda com a alma lavada. Há vários anos não passava por aqui um artista de blues tão cativante. Já quem caiu de paraquedas no Teatro do SESC Santos naquela noite chuvosa, e tomou contato pela primeira vez com a essência do blues, certamente acabou abduzido pelo suingue da "Windy City" e não acordou a mesma pessoa no dia seguinte.

Conheça nessa próxima segunda, em BLUESTIME, um pouco de "Let's Talk About Love", e você vai entender que não há o menor exagero nos elogios que voc6e acaba de ler a respeito dessa fera da guitarra do blues contemporâneo: Lurrie Bell.(Chico Marques)


LURRIE BELL AO VIVO NO SESC-SANTOS (23 de AGOSTO de 2008)


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