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MIKE BLOOMFIELD em BLUESTIME (23 MARÇO 2009)


Poucos artistas brancos conseguiram mergulhar tão fundo no espírito do blues de Chicago quanto Michael Bloomfield.

Judeu de Chicago, ele nasceu há exatos 65 anos. Envolveu-se desde cedo com músicos veteranos de blues, e se escolou com os maiorais do gênero, que ainda estavam vivos e muito ativos no início dos anos 60. Tocou guitarra nas bandas deles todos -- desde Muddy Waters e Howlin' Wolf até Sleepy John Estes e Yank Rachell --. e logo foi reconhecido como um grande talento emergente, apesar de ser ainda muito jovem.

Mas já tinha maturidade musical suficiente para, em 1964, aos 21 anos de idade, unir forças a outros branquelos nada azedos chamados Paul Butterfield e Elvin BIshop, e montar uma banda branca de blues, que, depois de alguns ensaios e demos inciais, acabou contratada pela Elektra Records para gravar sob a tutela do tarimbado produtor Paul Rothchild -- que gostou muito do que ouviu, mas pediu que eles acelerassem o compasso das canções, só para tentar agradar o público do rock and roll.

Deu no estilo inconfundível da Butterfield Blues Band, cujo primeiro album tomou de assalto a cena musical americana da época. Com a BBB, o blues ganhou aquela urgência típica do rock and roll, e nunca mais foi o mesmo. A voz e a gaita fulminantes de Paul Butterfield, pontuada pelos solos faiscantes de Michael Bloomfield e Elvin Bishop, estabeleceram um padrão musical que acabou adotado por inúmeras outras bandas de blues ao redor do mundo.

Mas Michael não estava satisfeito. Em 1966, ele iria levar a Butterfield Blues Band para um novo patamar musical no número de 20 minutos de duração "East West", mesclando o blues de Chicago com influências musicais indianas e uma dose cavalar de psicodelia. Um triunfo artístico tão grande que jogou a Butterfield Blues Band numa encruzilhada. O que fazer depois daquilo? Foi quando Michael e seu parceiro Nick Gravenites decidiram mudar para a California para experimentar algo novo.

Daí nasceu o Electric Flag, talvez a melhor banda psicodélica de todos os tempos, que conseguiu virar a cena musical de ponta cabeça em dois LPs gravados ao longo de 1967. No ano seguinte, já distante do Electric Flag, Michael começou a planejar sua carreira solo e, num ensaio preliminar, decidiu unir forças ao pianista novaiorquinho Al Kooper, que havia conhecido durante as gravações de "Highway 61" de Bob Dylan -- é deles o arranjo original de "LIke A Rolling Stone". O resultado disso é o lado A do LP "Supersession", onde Michael mostra claramente todo seu gabarito como guitarrista.

E então, a decepção... nada de muito sólido veio a seguir. Infelizmente, a tão aguardada carreira solo de Michael nunca decolou para valer. Dezenas de projetos errantes, ou apenas oportunistas, pontuaram sua tragetória ao longo dos anos 70. Michael Bloomfield só foi achar um foco para sua carreira por volta de 1977, quando assinou com a Takoma Records. Daí em diante, retomou as tournées com força total e engatou longas temporadas em clubes de blues dos Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão.

E então, a nota triste. Michael Bloomfield é encontrado morto em seu carro em 1981, numa rua em San Francisco, vitimado por uma OD de heroína. Tinha 38 anos de idade. Os policiais concluíram que ele não morreu no carro, e foi colocado alí por amigos que não saberiam como explicar sua morte. Esses mesmos policiais também concluíram que seu carro fora largado bem longe do lugar onde Michael morreu.

Tudo muito triste. Mas seus amigos guardam boas lembranças dele.

O pianista Mike Naftalin, por exemplo, diz: "Quando começamos a tocar juntos, na Butterfield Blues Band, nossas mentes estavam em perfeita sintonia, e a música que fazíamos era resultado direto dessa intimidade. Tocamos juntos quase 3 anos. Depois nos separamos, e voltamos anos mais tarde, em tournées, às vezes como Bloomfield and Friends, outras vezes como Bloomfield/Naftalin Band, ou ainda como Bloomfield/Naftalin/Graveniets Band, dependendo da situação. Eu lamento que tão pouco dessas associações musicais tenha sido gravado. Modéstia à parte, vivemos grandes momentos musicais juntos e nos divertimos bastante. Sinto muita saudade de Mike. Eu adorava aquele cara."

Já Barry Goldberg diz: "Éramos como irmãos. Não havia nenhum outro músico que despertasseem mim o desejo de comunicar com o mundo como Michael. Nosso denominador comum musical sempre operou num padrão altíssimo. Curioso é que, onde quer que fossemos, Michael nunca aparentou levar as coisas muito a sério, e mesmo assim conseguíamos realizar coisas sensacionais. Eu adorava sua capacidade intelectual, sua sagacidade e seu bom humor. Estar a seu lado era sempre um imenso prazer. Eu sempre me sentia muito seguro com ele na estrada. Mesmo nos períodos em que passávamos por dificuldades em tournées, o que me deixava bastante deprimido, ele chegava e dizia: hey, o avião é ótimo, veja aquelas crianças, e aquelas freiras lá adiante...vai dar tudo certo, pode confiar. E dava tudo certo, de uma maneira ou de outra".

Charlie Musselwhite também tem lembranças bem legais de Michael Bloomfield: "Ele trouxe muita gente para conhecer o blues de verdade, e era uma das pessoas mais divertidas que já conheci. Costumávamos rir até chorar, até ficarmos engasgados, sem fôlego. Mas ele também era uma pessoa estranha, introspectiva, tensa...não relaxava jamais. Um psiquiatra ficaria horas e horas tentando chegar na sua essência, e certamente desistiria no meio do caminho. Não era uma pessoa fácil, convivia com demônios terríveis. Talvez por isso tenha vivido o blues da maneira como viveu. Gostaria de ter podido conviver mais com ele, mas, num determinado momento, nossas carreiras seguiram caminhos diferentes. Foi uma pena. Teria sido ótimo".

Mas o depoimento mais contundente sobre Michael Bloomfield vem de seu parceiro mais contumaz, o grande cantor e guitarrista Nick Gravenites: "Tenho lembranças boas e más de Mike. O que mais me impressionava nele era a soma de seus talentos, sua personalidade como um todo. Ele era muito carismático. Tinha uma habilidade musical fabulosa, um intelecto ágil, uma senso de humor fabuloso, uma generosidade ímpar e uma paixão pelo seu trabalho fascinante e invejável. É triste ver as pessoas lembrando dele por ter morrido de uma OD de heroína, como numa "Hollywood Story" qualquer. Ele não tinha o perfil de um junkie. Talvez nem fosse um, no sentido mais estrito do termo. Era um cara fascinante, magnífico. E fico muito triste em vê-lo quase esquecido depois de 27 anos de sua morte. Mike era genial, merecia ser sempre lembrado, era do mesmo calibre de Hendrix e Clapton. Mas nunca foi homenageado pelo Hall Of Fame por sua contribuição musical. Ringo Starr, que nem sabe tocar bateria direito, foi. Mike não. E isso mostra o quanto esses prêmios podem ser duvidosos. Mike, definitivamente, operava muito acima desse nível"(Chico Marques).


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